segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Deus castiga

Ministério Público mineiro tenta recuperar centenas de peças sacras roubadas

Texto de Déborah Araujo



Na calada da noite de 15 de julho de 1994, os moradores de Serranos, no interior mineiro, foram vítimas de uma ação criminosa sem reparação até hoje: a padroeira da cidade simplesmente desapareceu. Era a imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso, datada do século XVII, feita em Portugal. Este é apenas um dos 720 casos de peças sacras desaparecidas procuradas hoje pelo Ministério Público de Minas Gerais. A Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico é a única do país especializada neste tema, e desde 2003 promove uma campanha para encontrar os objetos surrupiados. O órgão já recuperou mais de 500 peças.

Obras do século XVIII e da primeira metade do XIX são os principais alvos dos ladrões, segundo Marcos Paulo Miranda, promotor e coordenador da campanha. A época foi marcada por grandes escultores e entalhadores, como Aleijadinho, Xavier de Brito e Mestre Piranga, o que pode explicar o interesse. “Os artistas dessa época – em relação às anteriores – tinham mão mais trabalhada, conheciam mais anatomia”, explica Magno Mello, professor de História da Arte da Universidade Federal de Minas Gerais. “Passou-se a utilizar mais cores, relevo e drapeados, com expressões mais ousadas e realistas”, completa.

As quadrilhas são altamente especializadas na identificação desses bens. “Há, inclusive, criminosos que fazem pequenas alterações nas peças para dificultar a identificação”, acrescenta o promotor. As modificações podem ser desde a cabeça de uma imagem emendada no corpo de outra, até olhos de vidro colocados em uma cabeça de madeira – muitas vezes só descobertas por meio de raio-X.

Párocos e padres chegam a proibir que o interior dos santuários seja fotografado, para que as imagens não atraiam a atenção de criminosos. O professor Magno Mello defende outra abordagem: que as imagens sejam fotografadas, catalogadas e divulgadas nos meios de comunicação. O objetivo é que as pessoas possam “reconhecer com facilidade uma imagem desaparecida ou, pelo menos, dificultar a sua venda no mercado negro”, explica.

Mas nem todas as peças desaparecidas foram roubadas. “Para arrecadar fundos, muitos objetos foram vendidos pelas próprias igrejas ou paróquias décadas atrás”, diz Michele Arroyo, superintendente do Iphan em Minas Gerais, ressalvando que esta prática está abolida. Ela garante que todas as peças desaparecidas em construções tombadas pelo Iphan estão no acervo catalogado entre 1930 e 1960, época da maioria dos tombamentos, em arquivos escritos à mão. “Temos agora que atualizar essa base de dados para o meio digital, de forma a facilitar a consulta às informações das peças”, conclui.

Para facilitar o reconhecimento das peças sacras, o Ministério Público de Minas Gerais disponibilizará ainda este ano fotos digitalizadas e mais detalhes no site www.mpmg.mp.br.

Para denúncias de suspeita de venda ilegal de peças sacras, ligue para (31) 3250-4620 ou mande um e-mail para cppc@mpmg.mp.br.

Fonte: Revista de História

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